FNAMzine #4 - A voz do SNS - Flipbook - Page 14
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Relatos SNS Medicina do Trabalho
Cuidar de quem cuida
dos CA sobre o real valor estratégico do investimento em saúde ocupacional, limitando assim
a capacidade destes profissionais para exercer
plenamente as suas funções essenciais. A título
exemplificativo, o próprio Estado Português, enquanto entidade reguladora, frequentemente
não cumpre as obrigações legais em matéria de
Medicina do Trabalho, além da Saúde, como sucede na Educação ou Justiça, onde falta acesso
a carreiras estruturadas para médicos do trabalho na Administração Pública.
CARLOS OCHOA LEITE
COM RUI CUNHA
RUI PEDRO BERNARDINO
E TERESA PINTO
Cuidar dos profissionais de saúde é um imperativo ético e social urgente. A Medicina do Trabalho,
especialidade médica consagrada à prevenção e
ao tratamento das doenças profissionais, é um
elemento essencial e estruturante no funcionamento saudável de qualquer instituição, particularmente dos hospitais.
Contudo, apesar da relevância inquestionável
desta especialidade, continuamos a presenciar
um persistente subinvestimento, alimentado por
uma perceção errónea por parte dos Conselhos
de Administração (CA) e entidades governativas,
que ainda encaram estes serviços mais como
despesas do que como investimentos estratégicos no bem-estar dos trabalhadores. Acresce
ainda que os próprios médicos do trabalho, responsáveis pela proteção e promoção da saúde
dos profissionais, enfrentam frequentemente
um contexto adverso, debatendo-se com a escassez de recursos humanos e materiais, bem
como com ambientes organizacionais que frequentemente desvalorizam ou negligenciam as
recomendações e propostas. São comuns exemplos de situações em que alertas sobre riscos
profissionais e medidas preventivas são ignorados pelas lideranças, com consequências negativas diretas para a saúde dos trabalhadores. Este
cenário decorre diretamente da incompreensão
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Em Portugal, a saúde ocupacional e, concretamente, a Medicina do Trabalho, mantém-se predominantemente delegada ao setor privado,
sendo que o próprio Estado, frequentemente,
não desempenha devidamente o seu papel de
regulador, deixando aos empregadores a responsabilidade de cumprir apenas os requisitos
legais mínimos. A Direção-Geral da Saúde (DGS),
entidade reguladora em matéria de Saúde Ocupacional, tem demonstrado incapacidade em
assegurar uma regulação eficaz e em defender
padrões elevados nas práticas de Medicina do
Trabalho. Esta fragilidade regulatória favorece
empresas privadas prestadoras de Medicina do
Trabalho, que operam com liberdade, beneficiando da desregulação num setor crescentemente lucrativo. Contrariamente a outros países
europeus, onde auditorias regulares e rigorosas
garantem a aplicação no terreno de um elevado
padrão de qualidade, da DGS esperar-se-ia uma
visão estratégica orientada para o futuro, capaz
de promover uma real evolução qualitativa da
Medicina do Trabalho.
Os estudos de custo-efetividade apresentam
evidências científicas robustas e inequívocas:
medidas preventivas de segurança e saúde no
trabalho, quando bem delineadas e implementadas sistematicamente, geram retornos
económicos que excedem em três a dez vezes o
investimento inicial. Ainda que a quantificação
exata dos benefícios na produtividade apresente desafios, as revisões sistemáticas têm
demonstrado consistentemente que, desde intervenções pontuais a programas estruturados e
abrangentes, todas podem revelar-se altamente
vantajosas e lucrativas. Apesar disso, estima-se
que menos de um terço dos hospitais do Serviço
Nacional de Saúde (SNS) possua serviços internos estruturados.
Desde o impacto transformador da pandemia
COVID-19, tornou-se ainda mais claro que as
instituições de saúde requerem, urgentemente,
serviços internos sólidos e eficazes de Medicina
do Trabalho. A pandemia trouxe à superfície uma
realidade que há muito permanecia negligenciada: os profissionais de saúde, quando expostos a
riscos específicos da sua atividade, apresentam
uma vulnerabilidade significativa ao desenvolvimento de problemas de saúde. Stress crónico,
burnout, ansiedade e depressão tornaram-se
diagnósticos cada vez mais frequentes entre
médicos, enfermeiros e outros trabalhadores
da saúde, amplificados por ambientes laborais
exigentes e, muitas vezes, desprovidos de apoio
emocional e psicológico adequados.
Infelizmente, o prolongado desinvestimento no
SNS tem vindo a agravar esta situação. A escassez de recursos humanos e materiais cria condições propícias para fenómenos como o assédio
moral e o mobbing, fomentando ambientes de
Estudos recentes confirmam claramente que locais de trabalho tóxicos
e com deficiências na comunicação interna aumentam significativamente
o risco de doenças mentais, constituindo fatores de risco determinantes
para o burnout, absentismo e elevada rotatividade