FNAMzine #4 - A voz do SNS - Flipbook - Page 24
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Grande Entrevista
“O CAMINHO QUE FOI FEITO
GANHOU À HEROÍNA”
JOÃO AUGUSTO CASTEL-BRANCO GOULÃO
Nasceu em maio de 1954. Licenciado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, médico de família, é uma figura central na arquitetura da política dos comportamentos aditivos e dependências a nível nacional desde
2001. Integrou o comité científico do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, uma agência da União Europeia, e foi presidente desse organismo de 2009 a 2015, assim como representante de Portugal na Comissão
de Estupefacientes das Nações Unidas e no Grupo Pompidou do Conselho da
Europa. Foi condecorado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique
pelo Presidente Jorge Sampaio e agraciado com o Prémio Norman E. Zinberg,
nos Estados Unidos da América. É Presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD).
FNAMZINE: Que circunstâncias chave
identifica para que fosse possível o seu
contributo e os resultados tão positivos que alcançaram no combate às
adições?
JOÃO GOULÃO: Termos vivido 50
anos de fascismo, sermos um país
completamente fechado sobre
si próprio, isolado, controlado pela polícia política e pela
censura, fez com que alguns
fenómenos que estavam a
acontecer em outras partes
do mundo nos passassem
ao lado. O fenómeno hippie
quase não nos tocou e o mo-
De repente tudo muda,
com explosão, com a
liberdade. As pessoas
estavam sedentas por
experimentar tudo
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vimento estudantil em França chegou ao retardador. Ao mesmo tempo, nos últimos anos
do regime, vivemos a guerra colonial, para onde a maioria da população jovem, masculina,
era enviada, maioritariamente a contragosto.
Lá o uso de drogas era tolerado ou mesmo incentivado pela própria hierarquia. O álcool
era mais barato que a água. A canábis estava
altamente disponível.
FZ: E quando se dá o boom?
JG: Antes do 25 de abril, o uso de drogas ilícitas era residual. De repente tudo muda, com
a explosão da liberdade. As pessoas estavam
sedentas por experimentar tudo.
FZ: E quando é que essa experimentação ganha a escala de um problema nacional?
JG: Muito pouco tempo depois algumas organizações criminosas decidem explorar o mercado emergente. E introduzem todas as outras
substâncias. Heroína, cocaína, LSD, tudo. Enquanto noutras sociedades já haviam trabalhado, pelo menos, a parte informativa, nós
cá, a única coisa que tínhamos tido durante o
fascismo, foi a campanha da “droga-loucura-morte”. O regime promovia as dependências
legais, como o vinho, mas tudo o resto era tabu.