FNAMzine #4 - A voz do SNS - Flipbook - Page 25
µ 25 | FNAMZINE | maio 2025
Nós sempre
fomos dos países
da Europa com
menor prevalência
global de uso
de drogas. Mas,
comparativamente,
tínhamos uma
prevalência muito
elevada do uso
de heroína
COMBATE À ADIÇÃO
•FZ: E como é que, em democracia, se lidou com o
problema?
JG: Na altura não começou por ser uma prioridade.
Houve um episódio que comoveu e fez o país
acordar, ainda nos anos 70, quando o então
Ministro da Justiça, Almeida Santos, perdeu
uma filha por problemas relacionados. Ainda
no final dos anos 70 foram criadas as primeiras
respostas institucionais. Criou-se um gabinete de
coordenação de combate à droga, seguidos pelos
Centros de Estudos e Profilaxia de Droga (CEPD).
•FZ: E que caminho fizeram?
JG: Depois da criação desses CEPD, passou-se
uma década sem avanços. Foi o momento em que
floresceram as respostas privadas, muitas delas
de muito pouca qualidade. De terapêutica tinham
muito pouco, eram “depósitos” para onde as
pessoas eram enviadas, uma espécie de abrigos,
praticamente sem terapeutas.
•FZ: E quando é que o Estado volta a dar respostas?
JG: Só na segunda metade dos anos 80 é que o
Estado começou a olhar com alguma seriedade
para o assunto, quando foi confrontado com
a explosão do problema. Portugal foi um dos
países com maior incidência da dependência da
heroína. Chegou a ser 1% da população, ou seja,
cerca de 100 mil pessoas. A heroína começa a
dizimar a nossa sociedade, a nossa juventude.
FZ: Como era a realidade de outros países nessa altura?
JG: No global era pior. Nós sempre fomos dos
países da Europa com menor prevalência global de uso de drogas. Mas, comparativamente,
tínhamos uma prevalência muito elevada do
uso de heroína.
FZ: E na viragem para a década de 90?
JG: Em 1987, depois de 10 anos de apatia, foi
criado o Projeto Vida, o primeiro programa interministerial, que envolveu 8 ministérios. Ao
Ministério da Saúde coube a criação de uma
grande unidade, o Centro das Taipas, em Lisboa, que era uma unidade dedicada ao problema, com várias valências: ambulatório, internamento para desabituação física, centro de
dia e uma urgência aberta 24 horas.
Era uma resposta poderosa, com uma equipa
multidisciplinar.
FZ: E o que foi capaz de potenciar? Que desafios se colocaram?
JG: Além dos resultados, houve desde logo
ganhos ao nível da formação. No entanto, sendo a única oferta especializada e pública, acessível, não tardou a ficar completamente lotada.
Então, os dirigentes do Centro das Taipas puseram-se em campo para tentar identificar as
necessidades periféricas, e profissionais que
tivessem perfil para serem envolvidos.
FZ: O que é que leva as pessoas a procurar este
tipo de substâncias?
JG: Devemos ter noção que as pessoas consomem drogas porque elas proporcionam sensações agradáveis.
Uma parte acontece pelos contextos em que se
busca o potenciar do prazer, outras o alívio do
desprazer da dor.
FZ: E as dificuldades impostas pela sociedade,
também contribuem?
JG: Sim, sem dúvida. Na altura da intervenção
da troika, houve um número enorme de recaídas de antigos utilizadores de drogas. Tinham
parado, estavam a reorganizar as suas vidas, e
de repente tiraram-lhes o tapete.
FZ: E depois do sucesso do Centro das Taipas?
JG: Com o Centro das Taipas cheio, muito pressionado, e depois de captarem muitos médicos de
várias especialidades, criaram-se centros especializados noutras regiões, como aconteceu em
Faro, numa extensão do Centro de Saúde. Aquilo
que aconteceu comigo aconteceu com muitos outros colegas, faziam formação no Centro das Taipas
e depois voltavam para a unidade onde trabalhavam, com a capacidade de formar uma equipa.
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