FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - Page 12
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Relatos SNS Hospitalar
A propósito do descarrilar
do elevador da Glória
Como descarrilar um serviço de saúde aos poucos
GUSTAVO JESUS
INTENSIVISTA NA ULS SANTA MARIA
E DIRIGENTE DO SMZS
Numa linha cronológica mediática, e
apesar dos apelos repetidos dos médicos, da FNAM e da Ordem dos Médicos, lemos que a 15 de Julho deste ano o director
de serviço de Ortopedia pôs o seu lugar
à disposição por manifesta incapacidade
de cumprir escalas mensais.
Já na altura, Joana Bordalo e Sá, avisava que a demissão era um grito de alerta para a exaustão dos profissionais do
SNS. No início de Agosto, era público que
a escala de urgência tinha carências em
19 dias do mês, o que obrigava a fechar
ao público nesses dias. No ano anterior,
7 ortopedistas tinham saído do serviço
e a maioria dos restantes recusava-se a
fazer horas para além daquelas contratualizadas.
A 3 de setembro, com dezenas de mortes e feridos associados, num cenário de
multi-vítimas politraumatizadas no acidente do elevador da Glória em Lisboa, o
Hospital de Santa Maria tinha a urgência
de Ortopedia fechada e o Hospital de São
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José tinha apenas um ortopedista escalado de urgência.
Nessa noite, por motivações éticas, sem
escalas de prevenção, de forma não remunerada, os ortopedistas acorreram a esses hospitais para submeter a cirurgias os
feridos. Entretanto, entre 15 de Julho e 3 de
Setembro, a urgência manteve-se aberta
com via verde de trauma activa todos os
dias, apesar da ausência de médicos.
No meio do luto, individual e co letivo, alguns pontos ficam claros.
Primeiro, que o desmantelamento dos
O serviço à comunidade fica
desprotegido sem um SNS
robusto
serviços é um processo conhecido, para
o qual existem avisos públicos e reiterados. Segundo, que não existe serviço de
saúde sem profissionais qualificados,
motivados, não exaustos por sobrecarga laboral e sem serem adequadamente
remunerados pelo seu salário base, ao
invés da fixação em majorar horas penosas sem mexer condignamente no salário
base dos médicos. Terceiro, que o serviço à comunidade fica desprotegido sem
um SNS robusto: nenhum dos doentes
politraumatizados teria sido operado se
não prevalecesse uma ética de missão
nos seus profissionais. Nenhum serviço
de saúde baseado em trabalho à tarefa
equivale uma equipa eticamente comprometida, cientificamente preparada e
profissionalmente motivada.