FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - Page 15
µ 15 | FNAMZINE | outubro 2025
gerações
. FERNANDO PEREIRA Presidente da Mesa da Assembleia Geral do SMN
. RITA COSTA Dirigente Sindical do SMN
FNAMZINE (FZ) : Fernando Pereira,
conte-nos um pouco do seu percurso?
FERNANDO PEREIRA (FP): Licenciei-me em
1975. Em Bragança tive o primeiro contacto
com a pobreza que era a saúde em Portugal. Foi um contraste enorme em relação à
realidade dos hospitais centrais, como o
Hospital de São João, onde fiz a minha formação. Depois estive no Hospital de Braga,
onde fundei o serviço de Gastroenterologia. Seguiram-se Vila Real, Viana do Castelo
e, mais tarde, o Porto, no Hospital Maria Pia.
Já perto da reforma, foi inaugurado o Centro
Materno-Infantil.
FZ: Acompanhou todos os passos da fundação do SNS, em 1979. Como recorda esse
período?
FP: Vivi de perto todo o processo inicial, tanto da construção do SNS como do Sindicato
dos Médicos do Norte (SMN). Foi uma mudança enorme para a saúde em Portugal.
Em Bragança, antes do SNS, em grande parte das localidades simplesmente não havia
saúde. Havia curandeiros, bruxos, endireitas… Tudo menos médicos. No hospital havia apenas seis especialistas: um internista,
um cirurgião, um oftalmologista, um otorrinolaringologista, um ortopedista e um obstetra. Fomos 14 médicos destacados para o
interior.
FZ: E no seu caso, Rita Costa?
RITA COSTA (RC): Depois do curso fiz o internato em Medicina Interna no Hospital
de Santo António. Terminei em 2019 e vim
para Santa Maria da Feira, onde continuo
a trabalhar. Não foi um choque tão grande como o do Fernando, mas vivi também
duas realidades muito diferentes.
FZ: E quanto ao sindicalismo?
RC: Quando comecei a trabalhar, por
insistência dos meus pais, sindicalizei-me. Inicialmente não foi na FNAM, mas
acabei por vir a integrar. Percebi que,
para resolver certos problemas — que
até me pareciam simples — o sindicato
é uma mais-valia.
FP: O SMN surgiu na sequência do que já
se discutia nas comissões de curso. Tivemos várias reuniões no Ministério devido à falta de médicos no interior. Sabe
qual foi a resposta do então Ministro da
Saúde, Paulo Mendo? Disse-nos para
não nos preocuparmos, porque dali a
uns anos haveria médicos a mais…
FZ: Quais têm sido os maiores desafios
da profissão?
FP: Hoje há uma incerteza muito maior na
cabeça dos médicos em relação ao futuro
do que havia na minha altura. A multiplicidade de vínculos foi um grande problema. Deixou de haver um regime comum
de contratação em funções públicas.
RC: Outro desafio é a conflitualidade
crescente entre médicos e as instituições
que os empregam.
FZ: Como tem evoluído a relação médico-doente?
RC: A informação multiplicou-se. Está
em exames, consultas, tudo acessível
por computador. O doente continua a
ser a principal fonte, mas já não é a única. Por outro lado, os doentes também
mudaram: vão à internet, muitas vezes
encontram informação não fidedigna.
Passámos da fase do “Dr. Google” para a
fase do “Dr. ChatGPT.
FP: Se há 30 anos me dissessem que um
médico passaria mais tempo a olhar para o computador do que para o doente,
não acreditava. E, para mim, ainda não é
assim. As minhas consultas continuam a
ser com os doentes, não com o ecrã.
FZ: Quais os principais problemas que
identificam no SNS?
FP: Para mim, um dos maiores problemas
é o desperdício de dinheiro. Má gestão.
RC: Concordo, e acrescento a obsessão
com indicadores: número de consultas,
de urgências, de cirurgias… Isso não significa que os problemas dos doentes sejam
resolvidos. Os indicadores precisam ser
revistos, porque não refletem o verdadeiro bem-estar e a saúde das pessoas.
µ FNAMZINE | DIÁLOGO DE GERAÇÕES