FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - Page 16
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Diria que ajudar as pessoas que estão doentes é, de facto,
das melhores coisas que se pode fazer na vida, em termos
de satisfação. Mesmo que isso obrigue a sacrifícios. Isso foi
sempre a minha forma de encarar a Medicina. Fernando Pereira
FZ: Rita Costa, esteve na linha da frente no combate à pandemia de covid-19.
Que lições retira?
RC: Foi marcante para qualquer médico, mas no meu caso ainda mais: eu era
especialista há apenas seis meses. Ninguém tinha noção do que se estava a
passar. Enquanto a maioria das pessoas
ficava em casa, nós íamos trabalhar todos os dias. Para dar resposta à pandemia não nos preocupámos com o que ficou para trás — mas isso agravou muito a
situação nos anos seguintes.
FP: Na minha área, praticamente tudo parou: exames, endoscopias… Só se faziam
em situações extremamente urgentes.
FZ: E o desafio das urgências?
FP: Nunca houve vontade de resolver o
problema. Os hospitais sempre tiveram
interesse em manter muitas urgências e
em incentivar a produção adicional.
RC: A resposta tem sido errada. Se a urgência está em sobrecarga, mobilizam-se médicos, mas isso faz com que consultas fiquem por fazer, internamentos
se atrasem, o ambulatório seja prejudicado… Quando seria precisamente aí
que se podia dar resposta para aliviar as
urgências.
FZ: A fuga para o privado
faz-se sentir?
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FP: Claro. Fazer uma endoscopia numa
clínica privada dá muito mais rendimento do que uma noite no hospital. Isso acontece em muitas especialidades.
RC: Em Medicina Interna não é tão evidente. Eu própria aderi à dedicação plena, mas ela não é assim tão atrativa.
FZ: Faria sentido recuperar a dedicação
exclusiva?
FP: Diria que sim. Mas hoje os médicos
chegam ao serviço e dizem: “Quero trabalhar só 20 horas.” Isso não acontecia
no passado. O SNS precisa de outros argumentos.
Não pode competir financeiramente
com o privado, mas pode oferecer carreiras organizadas, concursos que não
demorem 4 ou 5 anos, diferenciação técnica, formação financiada… Tudo isso
tem valor.
FZ: Como veem a mobilização dos médicos nos últimos anos?
RC: Muito do que se contestou já vinha
da troika. Eu comecei a trabalhar no ano
dos cortes salariais e nas férias, por isso a realidade da minha geração é muito
diferente da de quem já estava estabelecido. Depois da pandemia, percebemos que era preciso mudar. Estava na
altura de bater o pé. Fui uma das que entregou a minuta de recusa de horas extra
para além do limite legal. Quase conseguimos o que queríamos, mas a situação
política travou.