FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - 21
µ 21 | FNAMZINE | outubro 2025
FNAMZINE (FZ): Como foi o percurso do
Luta Livre até chegar a Contrafação?
Luís Varatojo (LV): Em Técnicas de
Combate experimentei samplear
vários discos de jazz. Falei de política,
cidadania, desigualdade.
Em Defesa Pessoal recorri à guitarra
elétrica, que me é mais familiar, e
abordei questões mais concretas,
como o impacto da guerra na Ucrânia
na economia e a inflação brutal que
se seguiu. Parti também de histórias
pessoais — por exemplo, a do meu
pai, que teve de começar a trabalhar
aos 12 anos — para falar sobre os
direitos laborais. Já em Contrafação, a
base é a guitarra acústica e melodias
mais próximas da música tradicional
portuguesa, como o fado e o folclore. É
um disco de crítica de costumes.
FZ: O álbum abre com uma frase de
Salazar sobre a obediência?
LV: Sim, começa assim e segue por aí
fora. Critico a Igreja, os novos cultos, o
processo de massificação turística e a
gentrificação. Escrevo também sobre
o que somos enquanto povo. O título
Contrafação tem a ver com essa ideia:
parece-me que, de uns anos para cá,
temos sido empurrados para copiar
determinadas fórmulas.
FZ: Foi por isso que escolheu esse
título?
LV: Achei que fazia todo o sentido,
porque no fundo também eu estou a
fazer um pouco de contrafação: pego
em melodias e harmonias portuguesas
e construo a partir delas.
FZ: Também critica os populismos.
Refere-se a algo em concreto?
LV: Os populistas estão a ganhar
terreno. Falo do ódio aos imigrantes, do
ódio ao “outro” — que muitas vezes nem
sequer é imigrante, é apenas alguém
mais vulnerável.
FZ: E como tem reagido a comunidade
artística?
LV: Sinto que há alguma reação, mas
gostava que fosse maior. Agora, com a
tragédia na Palestina, com o genocídio
que Israel está a cometer, já vejo
algumas vozes em Portugal, mas é
recente. Antes, quase ninguém dizia
nada. Provavelmente por receio: falar
disso num concerto ou numa entrevista
pode levar a perder público. Nos anos
70 ou 80 não havia esse medo. Dizíamos
o que tínhamos a dizer e ponto final.
FZ: O medo voltou?
LV: Acho que hoje tudo está muito
preso. Basta o programador de um
festival não gostar do que ouve, e já
não te convida. Falta coragem. Claro
que há artistas que se manifestam —
a Capicua, a Garota Não, o Chullage, o
Dino Santiago — mas eram precisos
mais.
FZ: Tem acompanhado o debate sobre a
saúde e o SNS?
LV: Sim, com preocupação. É evidente
que o SNS está com dificuldades
crescentes em funcionar. Ao mesmo
tempo, há um avanço dos hospitais
e seguros privados. A saúde está a ser
tratada como um negócio.
FZ : E co m o a va l i a a a t u a ç ã o d o
Ministério e do Governo?
LV: Com esta Ministra da Saúde,
pelas notícias que vemos todos os
dias, sinceramente, se fosse noutro
governo, já teria sido demitida há muito
tempo. Não apresenta soluções e as
declarações não convencem.
Há um avanço dos hospitais
e dos seguros privados…
A saúde está a ser tratada
como um negócio.
Contrafação
É o terceiro álbum da Luta Livre, sucede
a Técnicas de Combate (2021) e Defesa
Pessoal (2023)
FZ: Há uma crise de credibilidade da
autoridade política na saúde?
LV: Claro! Até o Presidente da República
o disse — quem sou eu para desmentir?
FZ: E o que conduziu a esta situação?
LV: Casos como os do INEM, dos partos
em autoestradas, das urgências
fechadas, da demora no atendimento…
Só se resolvem com vontade política.
Co m m a i s i n v e s t i m e n to n o S N S
haveria mais médicos, mais auxiliares,
melhores condições nos hospitais.
FZ: A atual situação foi premeditada ou
acidental?
LV: Não me parece nada acidental.
Pagamos milhares de milhões por ano
para o ajuste da dívida, mas depois
faltam mil, dois mil milhões para o SNS,
que é muito mais importante. É uma
questão de vontade política.
FZ: Que mensagem deixaria às novas
gerações?
LV: Ler. Ler muito — romances, livros
históricos, ensaios. A iliteracia está
a levar-nos a este ponto: ninguém
lê mais do que duas frases, tudo se
resume a chavões.
µ FNAMZINE | LUÍS VARATOJO