FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - Page 22
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Grande Entrevista
O PREÇO DA SAÚDE EXPLODIU
CARLOS SEABRA É hematologista e patologista clínico, além de artista plástico. É autor do livro Curar o
Mundo – O Acesso ao Tratamento Médico no Nosso Tempo. Nasceu em 1970, em Aveiro, e, após um período
de trabalho nos EUA, regressou à cidade e trabalha na ULS da Região de Aveiro. Pinta de forma consistente
desde 2003 e, com colegas, fundou a “Má Arte”, uma associação de artistas em Aveiro. No seu livro, procura
responder à questão central do debate sobre a saúde: “Porque é que o combate às doenças que afligem a
humanidade acontece de forma tão injusta e desigual?”
FNAMZINE: Como surgiu na sua vida a ligação à medicina e à pintura?
CARLOS SEABRA: Desde criança. O meu
avô materno teve muita importância para
mim. Foi uma figura formadora da minha
identidade e transmitiu-me o gosto tanto pela arte como pela ciência. Também
era médico e tinha uma grande apreciação pela ciência, pela razão, pelo método
analítico. E era pintor. Vê-lo pintar era mágico. Fiquei completamente fascinado.
na-Farber, em Boston. Um ano marcante, especialmente pela doença da minha
mulher, que nos confrontou com um sistema de saúde totalmente privado, duro
e competitivo. Decidimos regressar a Portugal em busca de mais qualidade de vida. Nesse período, fiz uma segunda especialidade em patologia clínica e passei a
dedicar-me mais à pintura, que se tornou
um alívio para o excesso de trabalho e as
dificuldades profissionais.
FZ: E como se articulam esses dois
mundos?
CS: Têm muitas coisas em comum.
São atividades criativas, que
dependem da imaginação. São
formas diferentes de explorar o
mundo, a realidade, aquilo que
nos rodeia. Mas é muito difícil
ser artista ou cientista, tanto
em Portugal como no resto do
mundo.
FZ: E no SNS, como tem sido a sua experiência?
CS: Ao regressar a Portugal, especializei-me em patologia clínica. Como Aveiro
não tinha hematologia, desenvolvi uma
consulta especializada e acabei por tentar fundar um serviço de hematologia
clínica. Foi um processo duro, durante a
troika, e apesar de confrontar a Administração sobre a necessidade de mais médicos e recursos, encontrei forte resistência.
FZ: Como foi a sua experiência
nos EUA?
CS: Fui para os EUA em 2001, para
seguir carreira científica no Da-
FZ: Mas o serviço acabou por avançar?
CS: Sim, mais tarde. Acredito que a minha
luta foi a semente desse serviço. Mas, na
altura, não tive apoio nem da Administração nem da Tutela, apenas razões económicas. Não queriam gastar dinheiro com
os doentes hematológicos, já que os medicamentos são muito caros. Queriam a
especialidade, mas sem os custos. Depois
disso, a consulta terminou e, em 2020,
O acesso à saúde,
especialmente à oncologia,
será uma luta entre a
população e quem governa.
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