FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - 36
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Internacional Gaza
ELES VIVEM ISTO TODOS
OS DIAS, SEM SAÍDA
VIRGINIA MONETI é natural de Itália, onde se licenciou em Medicina na Universidade de Florença.
Conheceu Portugal no seu ano comum e especializou-se em Infeciologia, em Lisboa, no Hospital
Egas Moniz. Trabalhou também no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Nos últimos seis anos
integrou equipas dos Médicos Sem Fronteiras, com experiência na Ucrânia e na Palestina, onde se
encontra atualmente, em Gaza, de onde nos concedeu esta entrevista.
O cerco
não é algo novo —
existe desde 2006.
FNAMZINE (FZ): Conte-nos um pouco do
seu percurso.
Virginia Moneti (VM): Comecei como
médica em projetos focados no VIH e
na tuberculose, que são a minha área
de formação e especialidade. Depois
participei em projetos ligados à cirurgia
e emergência, ao controlo de infecções
e ao uso de antibióticos. Nos últimos
anos tenho estado mais dedicada à
coordenação médica em contextos de
emergência — principalmente no Médio
Oriente, em Gaza, e também na Ucrânia.
FZ: Quando começou a sua experiência
em Gaza?
VM: A primeira vez foi em 2020, num
contexto diferente do atual. O cerco não
é algo novo — existe desde 2006. Em
termos de saúde, a realidade deteriorouse imenso, com o norte do território
praticamente destruído.
FZ: E agora, como é a realidade?
VM: Desde o início da guerra, toda a zona
norte de Gaza foi esvaziada e a população deslocada para o centro e sul. As atividades das Organizações Não Governamentais concentram-se nessas áreas, já
que o norte se tornou inacessível.
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FZ: Que tipo de atividade desenvolvem e
como conseguem fazê-lo nesse contexto?
VM: Trabalhamos em trauma, emergência, cirurgia, saúde materna, obstetrícia
e cuidados de saúde primários. Estas atividades tiveram de ser constantemente
adaptadas às circunstâncias. Durante
os cessar-fogos, a saúde primária pode
ser oferecida através de clínicas móveis,
próximas das populações deslocadas.
Quando os combates se intensificam, os
movimentos tornam-se demasiado arriscados e passamos a funcionar numa
clínica fixa.
FZ: Como se desenvolve uma operação
com os constrangimentos conhecidos?
VM: As carências são públicas: falta de
água, alimentos, eletricidade — problemas com os quais os médicos não lidam
habitualmente. Temos sempre uma equipa logística que é a base da nossa ação.
Não é possível lançar nenhuma atividade
médica, seja hospitalar ou de cuidados
primários, sem serviços de suporte. Em
Gaza isso é extremamente difícil: semanalmente avaliamos o que conseguimos
fazer, quantos doentes tratar, quantas
horas manter o hospital a funcionar, consoante o combustível disponível.