FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - Page 37
µ 37 | FNAMZINE | outubro 2025
A escassez de água dificulta até o cumprimento das normas básicas de higiene.
Há também falhas graves ao nível do saneamento, dos medicamentos e dos materiais médicos.
FZ: Como é feito o abastecimento de material médico e farmacológico?
VM: Normalmente trabalhamos com um
plano de seis meses; aqui, quando conseguimos garantir quatro semanas de
stock, já é motivo de alívio. O material
chega em coordenação com a Organização Mundial da Saúde, através dos poucos camiões que entram, sob gestão das
Nações Unidas.
FZ: Que materiais faltam mais?
VM: Quase todos os equipamentos médicos e cirúrgicos: monitores, ventiladores,
camas hospitalares, além dos medicamentos essenciais.
FZ: Quais são as prioridades no terreno?
VM: Todo o esforço médico está direcionado para a emergência: trauma e cirurgia. As doenças crónicas ficam em segundo plano, o que terá um impacto devastador a longo prazo.
FZ: E a saúde mental, como é abordada?
VM: Centra-se em criar redes de suporte social e comunitário que ajudem as
pessoas a resistir. Mas não conseguimos
oferecer acompanhamento terapêutico
estruturado, porque as condições não o
permitem.
FZ: E os profissionais deslocados, também sentem esse impacto?
VM: Sim, claro, mas incomparavelmente
menos do que os nossos colegas palestinianos. Nós ficamos dois meses de cada
vez, temos uma estrutura estável e apoio
psicológico obrigatório. Eles vivem isto
todos os dias, sem saída.
FZ: Como funcionam as entradas e saídas
de pessoal médico?
VM: Todas as entradas são feitas através
das caravanas humanitárias da Organização das Nações Unidas. Conseguimos
manter rotações regulares, duas vezes
por semana, mas por vezes condicionadas pelas operações militares.
FZ: O princípio humanitário de neutralidade e acesso seguro está a ser respeitado?
VM: Não. As entradas de bens essenciais
não estão garantidas, nem são suficientes para a população.
Não existe qualquer garantia de acesso
livre e seguro à ajuda humanitária.
FZ: Qual é a dimensão da comunidade internacional em Gaza neste momento?
VM: Devemos ser cerca de 300 estrangeiros, incluindo das organizações que
trabalham na distribuição de água e no
apoio logístico.
FZ: Sentem que a vossa vida está em risco?
VM: Sim. Estamos num território muito
pequeno, qualquer explosão é sentida,
mesmo nas zonas de evacuação.
FZ: Também esteve na Ucrânia. Vê paralelos possíveis?
VM: São contextos muito diferentes. Na
Ucrânia, a mobilização internacional e
europeia foi enorme. Nunca houve escassez de material médico. Em comum
está sempre o sofrimento civil: mortes,
traumas, destruição da saúde mental.
FZ: No meio da violência, houve algum
momento de humanidade que a tenha
marcado?
VM: Sim. Lembro-me de um dos nossos
enfermeiros, cuja casa tinha sido destruída. Ele chegou ao hospital e encontrou os três filhos vivos. Também há histórias de crianças gravemente feridas
que, graças aos cuidados hospitalares,
ambulatórios ou de fisioterapia, conseguem se recuperar. Esses momentos dão
sentido a tudo.
FZ: Do seu ponto de vista, o que seria essencial para travar esta crise humanitária?
VM: É urgente parar os ataques e alcançar
um cessar-fogo definitivo. E tem de ser
garantida a entrada regular e consistente
de ajuda humanitária.
“É urgente parar os ataques e alcançar
um cessar-fogo definitivo”.
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