FNAMzine #5 - Defender os Médicos do Desgaste Rápido - Flipbook - 4
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Sindicato dos Médicos do Norte
De quem nos esquecemos mais? É dos pés,
coitados, que rastejam para nos suportar
“ Meu Deus, como somos injustos com o nosso corpo. De quem nos esquecemos mais? É dos pés, coitados,
que rastejam para nos suportar. São eles que carregam tristeza e felicidade. Mas como estão longe dos
olhos, deixamos os pés sozinhos, como se não fossem nossos. Só por estarmos por cima calcamos
os nossos pés. Assim começa a injustiça neste mundo.” (Mia Couto, In: Vozes Anoitecidas)
ROSA RIBEIRO
ASSISTENTE GRADUADA SÉNIOR DE MEDICINA
GERAL E FAMILIAR NA ULS DE TRÁS-OSMONTES E ALTO DOURO | VICE-PRESIDENTE
DO SMN E CONSELHEIRA DA FNAM
Esta frase fez-me pensar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e nos Cuidados de
Saúde Primários (CSP), “longe dos olhos”,
esquecidos, pelas diferentes lideranças.
Desde a sua criação em 1979, o SNS tem
desempenhado um papel primordial na
saúde em Portugal, garantindo acesso
universal a cuidados de saúde essenciais
a todos os cidadãos. Das várias reformas
do SNS destacamos o desenvolvimento
da carreira médica e a criação das
Unidades de Saúde Familiar (USF), em
2007, que vieram trazer um modelo
organizativo, diferente com autonomia
funcional, na área dos cuidados de saúde
primários. São compostas por médicos
de família, enfermeiros e secretários
Não podemos continuar a “rastejar”
µ FNAMZINE | CRÓNICAS DOS SINDICATOS
clínicos, que trabalham em equipa para
atender uma determinada população,
desde a promoção e vigilância da
saúde até à prevenção da doença, o
diagnóstico e tratamento dos doentes e
a reabilitação física.
O médico de família, ponto de entrada
no serviço de saúde, é responsável pela
prestação de cuidados de saúde primários, monitorização contínua da saúde
do paciente e gestão de doenças crónicas. É o verdadeiro gestor do utente.
A i m p o r tâ n c i a d o pa p e l d o s CS P
tem-se refletido na avaliação dos
cuidados gerais da saúde. A OCDE, no
seu relatório mais recente, reconhece
que as elevadas taxas de imunização
em Portugal (98,6% das crianças com
menos de 1 ano, contra a difteria, tétano
e tosse convulsa e 75,8% da população
com mais de 65 anos, contra a gripe) têm
contribuído significativamente para a
prevenção de doenças evitáveis e para
a promoção da saúde pública.
Desde 2015, Portugal reduziu para metade ou menos de metade as admissões
hospitalares evitáveis, atribuídas a asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, diabetes, hipertensão e insuficiência
cardíaca congestiva. Estes resultados
indicam uma gestão eficaz das doenças
crónicas ao nível dos cuidados de saúde
primários.
O PRR prevê investimentos no reforço
dos CSP, mas ao analisar a taxa de exe-
cução dos mesmos previstos para a área
da saúde, constata-se que, em geral, está abaixo dos 50% e em áreas prioritárias, como os CSP (C01-i10) apresentam
apenas uma execução de 16%.
Pa ra q u e o s i n v e s t i m e n t o s s e
convertam em benef ícios reais, não
bastam infraestruturas. É necessário
ga ra n t i r p ro f i s s i o n a i s d e s a ú d e
numa quantidade adequada para
operacionalizar estes investimentos.
Os recursos humanos são uma peça
fundamental para o funcionamento
e eficiência de qualquer sistema de
saúde.
Num país como Portugal, em que o Serviço público desempenha um papel fundamental na prestação de cuidados de
saúde, torna-se indispensável atrair e
reter profissionais não só no país, mas
sobretudo no sector público.
Só desta forma é que os investimentos
propostos para a melhoria da acessibilidade e da capacidade de resposta se podem traduzir em resultados palpáveis.
Pe l a s u a g ra n d e p ro x i m i d a d e às
populações, os CSP são merecedores
de uma maior alocação de recursos. A
descentralização da sua gestão poderia
reforçar a eficiência e a adaptação às
necessidades locais.
Não podemos (não devemos) continuar
a “rastejar” e a “suportar” o peso do corpo, continuando a ser esquecidos, tal
como os pés…